Nosso país vive o intenso clima do Verão, e para acompanhar temos algumas dicas do sommelier Guilherme Corrêa.
Como enogastrônomo profissional, acho todavia interessante revelar outras facetas do casamento vinho e ostras, para podermos abrir mais o nosso leque de escolhas. A harmonização de champagne ou espumantes com ostras é entendida pelos sommeliers como uma “harmonização tradicional” ou “harmonização psicológica”, pois ao invés de assentar-se sobre critérios técnicos, recai sobre o aspecto emocional do degustador, que dado a vocação sensual desta tipologia de vinho e do alimento em questão, aprecia incondicionalmente a interação entre os dois. Do ponto de vista da tradição, há muitos anos, provavelmente desde a inauguração das grandes maisons de champagne no início do séc. XVIII, que a nobreza vem degustando ostras e champagnes, casamento que hoje se tornou mais acessível com a elaboração de bons espumantes em várias partes do mundo e com o cultivo profissional das ostras.
Do ponto de vista técnico, entretanto, esta harmonização tradicional ou psicológica apresenta contradições bastante fortes, que explicaremos a seguir. Ao colocarmos uma ostra fresca na boca, as sensações táteis e gusto-olfativas predominantes serão: 1. suculência: intrínseca da própria ostra e induzida pela mastigação; 2. sapidez: salinidade marinha intensa conferindo uma sensação saporífera de dureza; 3. baixíssima percepção de gordura sólida, nenhuma de untuosidade; 4. aromaticidade de média intensidade; 5. média percepção de amargor e alta percepção de iodo. Não é difícil perceber que os champagnes ou espumantes se caracterizam pelo frescor da sua acidez (uvas menos maduras) e pela presença de gás carbônico natural, que por sua vez acentua as sensações do lado da dureza no equilíbrio do vinho (acidez e sapidez) e atenua as sensações do lado da maciez (doçura, álcool e maciez glicérica). Quando degustamos ostras e champagnes ou espumantes, temos um conúbio conflitivo de realce sinérgico da dureza, além de excesso de suculência na cavidade bucal. Isto porque a alta sapidez das ostras é potencializada pelo impacto ácido do espumante, tudo ainda exponenciado pela pungência do gás carbônico, sem haver no alimento uma “almofada” de maciez (lipídios sólidos e tendência ao doce) para uma justa contraposição. Além do mais, a suculência do molusco não é enxugada pelo álcool e/ou taninos do vinho, muito antes pelo contrário, a champagne/espumante induz uma forte salivação. Concluindo, estamos dando dureza à dureza e suculência à suculência, não esquecendo que, transpondo o universo técnico, essa é uma das harmonizações mais apreciadas e praticadas em todo mundo!
Voltando à técnica enogastronômica, que tipo de vinho poderíamos então trabalhar com as ostras in natura? Precisaríamos em primeiro lugar de vinhos brancos, pois com o alto teor de iodo existente, escolher vinhos tintos com taninos seria como lamber um poste de luz enferrujado! Pelo mesmo motivo de metalização dos polifenóis evita-se os brancos envelhecidos em carvalho (aporte de polifenóis elágicos). Como vimos, a discreta aromaticidade das ostras elimina brancos muito espalhafatosos, excessivamente frutados, florais ou minerais, que poderiam atropelar os delicados perfumes marinhos do nobre molusco. Elegeríamos então vinhos brancos de estrutura leve a meio encorpada, com aromas delicados, mais para contidos do que para exuberantes, acidez agradável mas não predominante (para não causarmos o realce sinérgico de dureza), e uma equilibrada maciez alcoólica e glicérica, suficiente para amortecer o “assalto” salino das ostras e enxugar os sucos presentes na boca. Nessa descrição encontramos dois clássicos franceses largamente empregados nos bistrots que servem suculentas ostrea edulis ou crassostrea gigas aos seus clientes: os Chablis da categoria villages (os premiers crus e grand crus são muito minerais, ácidos e potentes para tanto) e os Muscadets. Eu ainda indicaria alguns Sauvignons Blancs não muito opulentos do Chile e da Argentina, como o De Martino e o Luigi Bosca respectivamente, alguns Entre-Deux-Mers de Bordeaux, como o excelente Château Bel Air Perponcher, um sutil e macio Pinot Blanc alsaciano como o da Domaine Paul Blanck, um crespo Pinot Grigio italiano do Armani e um delicado Alvarinho português do especialista Anselmo Mendes, como o Muros Antigos. Se você ainda preferir o seu tradicional espumante, felizmente a enogastronomia é uma ciência que quando transgredida, possivelmente te matará apenas de prazer!
Guilherme Corrêa
Sommelier Decanter'