Para darmos as boas vindas, convidamos todos a desfrutar de um brilhante texto do Sommelier Guilherme Corrêa sobre um assunto clássico: Queijos & Vinhos!
"Um copo de vinho, uma fatia de queijo e um pedaço de pão, a santíssima trindade dos gastrônomos há séculos!
Não poderia ser melhor!
"Um copo de vinho, uma fatia de queijo e um pedaço de pão, a santíssima trindade dos gastrônomos há séculos!
Embora os sommeliers - profissionais que têm como objeto de estudo as harmonizações entre vinhos e alimentos - venham há anos divulgando que o casamento entre a bebida de Baco e os queijos é muito mais difícil do que parece, e até mesmo os degustadores não-profissionais mais atentos já perceberam que seus vinhos favoritos muitas vezes são arruinados pelo confronto com os sabores dos queijos, somente agora a mais tradicional das compatibilizações está sendo questionada em âmbito geral.
Parece que a recente pesquisa liderada pelo Dr. Hildegard Heymann na influente Universidade de Davis da Califórnia deu força para as relativizações que têm aparecido por toda parte, afinal, é da nossa índole esperar que a ciência nos corrobore o que já sentimos há muito tempo. Nestes testes empregou-se o rigor científico, e um time de oito degustadores profissionais teve que degustar oito tipos de queijos diferentes com vinhos de uvas tintas diferentes. O resultado foi que, em quase todos os casos, os queijos mascararam os aromas e sabores dos vinhos, alterando completamente a percepção do seu equilíbrio, tornando-os mais duros e finalmente impossibilitando a sua identificação às cegas.
Senti-me um pouco vingado, pois após levantar durante vários anos a bandeira de que não existe nada pior para um bom vinho tinto do que uma fatídica “tábua de queijos sortida” e ter minha opinião taxada como “de especialista” com sorriso cruel e segregacionista, começaremos finalmente a perceber que este casamento não é um mar de rosas.
De todas as tipologias enológicas, a que mais sofre perante aos queijos é justamente a mais admirada e consumida no moderno mundo do vinho, a dos tintos encorpados. Isto porque os taninos não encontram no palato suculência ou untuosidade necessárias deixadas pelos queijos após sua deglutição, sensações estas que viriam a amortecer o impacto de dureza do vinho na boca. Pior ainda é quando os taninos encontram o sabor residual dos queijos inoculados com mofo, branco ou azul, e sua interação gusto-olfativa nos dá a sensação de estarmos lambendo um armário mofado.
Um dos poucos queijos que conversam amigavelmente com os tintos encorpados é o italiano Grana Padano, pois a sua mastigação gera uma intensa “suculência induzida”, enxugando bem os taninos. Não é à toa também que tenha êxito a harmonização clássica francesa do Camembert ou Brie com os vinhos de Beaujolais, tintos vinificados segundo a técnica da maceração carbônica e que por isso apresentam pouquíssima tanicidade.
Tintos de média estrutura e macios logram mais sucesso do que os robustos pelos mesmos motivos, e podem ser agradáveis com queijos de sabor mais discreto, de massa semi-cozida e semi-dura, como o Emmental ou o Gruyère.
Por outro lado, as tipologias que mais se adequam às harmonizações com os queijos, de um modo geral, são a dos vinhos brancos e dos vinhos de sobremesa e fortificados. Dos Sauvignon Blanc com queijos frescos de cabra, passando pelos brancos frescos sem carvalho com mozzarella de búfala e chegando aos brancos barricados tipo Chardonnay e brancos ricos e untuosos como os alsacianos com queijos intensos em sabor, de média cura, cremosos, como a Fontina, o Munster e o Reblochon, os vinhos brancos derrubam o trono dos tintos ao lado dos queijos. O equilíbrio dos brancos regido pela acidez estimula a salivação e a conseqüente emulsão das gorduras dos laticínios, que forram o palato.
Os vinhos de sobremesa e os fortificados, brancos ou tintos, pelo equilíbrio amplamente voltado para a maciez e doçura, casam muito bem com os queijos de veios azuis, sejam de ovelha como o Roquefort ou de vaca como o Gorgonzola. Para estes queijos salgados e pungentes os vinhos botrytisados como os Sauternes ou um fortificado como o Porto são gloriosos, limpando a boca, amortecendo e carregando bem os sabores. Eles também sustentam bem os queijos sápidos de massa dura bastante curados, como o Pecorino (Vin Santo Toscano) e o Parmigiano Reggiano (Recioto della Valpolicella, Porto 20 Anos ou Jerez Amontillado).
Concordo que a separação não seja o melhor caminho para este casamento badalado, pois algumas noites continuam memoráveis, mas que uma avaliação completa do relacionamento valeria à pena, não resta dúvidas."